Relíquias. As do dia-a-dia. Sentidos. Os pulsantes. Luzes. Os excessos das sombras. É quase sempre de verdade, quase nunca por inteiro e, com sorte, com alguma sujeira final pra polir... Intentos. Os desde criança. Açúcares. Os que amarguem no final. Topos. Os de cume desconfortável. Vergonhas cantadas em coretos centrais, pintadas de nu pra parecer espontâneo. Colaborações. As de gosto, por favor!

quinta-feira, março 27, 2008

Incentivo ao teatro?


Celso Frateschi e Juca Ferreira.


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Ao cabo de quase duas décadas
de aplicação da Lei Rouanet, a
atividade teatral diminuiu, pelo
menos em termos relativos
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O TEATRO no Brasil celebra o seu dia internacional unido na insatisfação quanto aos mecanismos de financiamento e dividido quanto às possíveis soluções desses impasses. Entre as soluções, tramita no Congresso um projeto de lei que cria a Secretaria Nacional de Teatro para apressar o fluxo de pedidos de financiamento via renúncia fiscal, que seria ainda mais facilitado por mecanismo semelhante à Lei do Audiovisual, que permite o abatimento de até 125% (sic) sobre o valor financiado.

Seguindo a máxima de que não devemos propor o novo sem entender o velho, sob o risco de o novo já nascer envelhecido, sugerimos a análise da eficiência e da eficácia dos mecanismos vigentes, uma vez que a nova proposta baseia-se nos mesmos princípios da Lei Rouanet, que todos querem mudar.

O principal objetivo da Lei Rouanet é estimular a economia da cultura, proporcionando aos cidadãos brasileiros maior acesso à cultura produzida em nosso país. No entanto, antes da lei, as temporadas de nossos espetáculos tinham de seis a oito seções semanais. Hoje são duas a três seções por semana. Por que percebemos essa radical redução?

Muitos alegam que não há mais público para longas temporadas. Se isso é verdade, como parece, é mais um motivo para questionarmos o mecanismo atual. Ao cabo de quase duas décadas de aplicação da Lei Rouanet, a atividade teatral diminuiu, pelo menos em termos relativos. O número de produções cresceu, mas elas estão cada vez mais concentradas na região Sudeste. Como explicar o aparente paradoxo?

Quase todos os recursos da Lei Rouanet para o teatro são aplicados na montagem do espetáculo e na manutenção de uma temporada cada vez mais curta. Por quê? Não seria porque o empresário, que visa o lucro -e é natural que seja assim-, foi induzido a produzir cada vez mais montagens, ao perceber que o seu lucro não vem da bilheteria, o que seria desejável numa economia saudável, mas está embutido no processo de produção?

Se a razão de ser do espetáculo não é mais o público, que sentido pode existir nesse teatro? O teatro movimenta um número cada vez maior de recursos da Lei Rouanet: R$ 44.376.571 em 2000 e R$ 107.967.652 em 2007. O preço do ingresso é cada vez mais caro, chegando a custar um salário mínimo -e aí chegamos no limite de um espetáculo, financiado com dinheiro do cidadão, ter o ingresso mais caro que o salário de quem o subsidia.

Pode-se alegar que o teatro não se auto-sustenta economicamente e que sempre precisará de subsídios.

Um exemplo de que isso nem sempre é verdade é o caso de um proponente que, em cinco anos, captou mais de R$ 40 milhões. As montagens foram sucessos retumbantes e geraram lucros significativos. Não obstante, a companhia sempre requisitava, a cada montagem, mais recursos. O último pedido, negado pelo Conselho Nacional de Incentivo Cultural, chegava a R$ 27 milhões.

Isso sugere que o teatro pode dar lucro e que tal lucro pode estar sendo aplicado em outros setores da economia. Recentemente um empresário teatral carioca disse ao jornal "O Globo" que "o teatro é um ótimo negócio". O teatro, ao menos para alguns, não é inviável economicamente.

Com a Lei Rouanet, os orçamentos públicos para a área de cultura escassearam, com exceção do federal e de raros casos estaduais e municipais. A distorção chega ao ponto de TVs públicas, orquestras sinfônicas, o Sistema S e até a Funarte precisarem se utilizar da Lei Rouanet.

Alguns produtores argumentam que os mecanismos vigentes protegem a produção dos humores do orçamento público, mas os valores aprovados para captação crescem ano a ano, e os valores captados, que dependem dos orçamentos das empresas, tiveram uma queda em 2007.

O teatro não é apenas uma atividade econômica. É uma forma de expressão e de construção de conhecimento, que engrandece o cidadão na sua humanidade e sociabilidade. É uma arte pública e possui na sua própria essência o ato político da cidadania. É um exercício de liberdade que expõe, pela representação, o homem em suas relações, num ato ao mesmo tempo individual e coletivo.

Comemoramos o Dia Internacional do Teatro com velhas angústias e velhas e novas esperanças, mas com ânimo renovado para o debate e para a busca de soluções mais estruturantes para a atividade, que atendam o teatro não apenas como atividade econômica, mas também na sua dimensão simbólica e, principalmente, como direito do cidadão.

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CELSO FRATESCHI , 56, ator, diretor e autor de teatro, professor de arte dramática da USP (licenciado), é presidente da Funarte (Fundação Nacional de Arte). Foi secretário municipal de Cultura de São Paulo e diretor do Departamento de Teatros da secretaria (gestão Marta Suplicy).
JOÃO LUIZ SILVA FERREIRA , o Juca Ferreira, 59, sociólogo, é secretário-executivo do Ministério da Cultura

Folha de São Paulo

27/03/2008

Tendências / Debates



Um comentário:

Anônimo disse...

muito bom!
Avança o debate e sai do estígma de "estão crucificando seus profetas"